No setor metal-mecânico e especificamente na área de usinagem, talvez até por certas características da atividade, a participação é inferior a de outros setores. Porém, embora ainda sejam uma minoria, também aqui elas estão avançando, desempenhando funções tradicionalmente executadas por homens, inclusive no chão de fábrica.
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Estudo divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego há quatro anos aponta que o número de vagas ocupadas por mulheres na indústria metal mecânica cresceu 37,3% em duas décadas. Ainda assim, de acordo com levantamento da ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, apenas uma de cada quatro pessoas empregadas na indústria é do sexo feminino.
Conversamos com algumas profissionais mulheres que atuam no segmento de usinagem para conhecermos um pouco de suas trajetórias e, também, os principais desafios encontrados dentro da indústria metal mecânica. No geral, a principal dificuldade apontada é a própria inclusão no mercado de trabalho, já que grande parte das empresas ainda prefere contratar pessoas do sexo masculino.
Desde março de 2020, Ellen Mariano é coordenadora de Relacionamento com a Indústria na Escola Senai Roberto Simonsen, localizada no Brás (SP). Ela administra uma carteira com mais de 500 empresas, para as quais desenvolve soluções tecnológicas.
“Eu enxergo a usinagem e a mecânica como agentes transformadores que fazem parte das vidas das pessoas”, diz. Ellen trabalhou por mais de 10 anos no chão de fábrica (passando por tornearia mecânica, prensas e máquinas CNC), onde geralmente era a única mulher, como nos tempos de estudante, quando traçou o objetivo de um dia ser docente do Senai.
Há uma década, ela passou a integrar o corpo docente da unidade do Senai em que trabalha até hoje. Foi a primeira docente da área de mecânica e, em 2012, se tornou efetiva. “Foi um processo longo de desenvolvimento de confiança no meu trabalho.
Eu dava aula de CAD/CAM no período noturno, para alunos mais velhos e que já trabalhavam no chão de fábrica. Em treinamentos, muitas vezes, fui desafiada com perguntas difíceis, como se não fosse capaz de respondê-las”, detalha.
Mulheres fazendo a diferença
Formada em Engenharia Industrial, Pamela Matias é diretora da Usimarsopro Usinagem e Ferramentaria, de Vinhedo (SP) e também atua como consultora. Quando assumiu o cargo, há dois anos, a empresa apresentava baixo faturamento. “Hoje estou à frente da área industrial, comercial e de projetos.
Com o desenvolvimento de um trabalho de gestão conseguimos dobrar o faturamento”, afirma. Com a carteira de clientes ampliada, a expectativa é de que a Usimarsopro cresça por volta de 21% no próximo ano. Para ela, uma gestão feminina faz muita diferença, inclusive em termos de organização.
A diretora conta que quando entrou na empresa, em um primeiro momento, suas sugestões não eram acatadas. “Eu não liguei, continuei o meu trabalho e apresentei resultados. Muitas vezes, em reuniões de empresas, associações e cursos, a opinião das mulheres é bastante invalidada. É preciso empoderar as mulheres”, comenta.
Mãe de um menino de dois anos e meio e grávida de uma menina, Pamela lembra que muitas mulheres decidem pela não maternidade por conta da carreira e, muitas vezes, acabam se frustrando. E esse é o tema de sua dissertação de mestrado. “Na primeira gravidez eu pensei que a minha carreira fosse acabar, mas acabei desenvolvendo outras habilidades. As empresas deveriam dar um suporte maior para as mães, existem muitas formas de adequar o trabalho, vide o que vem acontecendo por conta da pandemia”, diz.
Sem espaço para preconceito
Programadora CNC, Gislaine Freitas está na indústria faz 16 anos. Há um mês passou a integrar o quadro de colaboradores da Grob do Brasil e é primeira mulher a integrar o time de programação na área de usinagem. “Negra e mulher. Estou quebrando paradigmas! Existem outras mulheres na empresa, mas em usinagem apenas eu”, se orgulha Gislaine, que tem a indústria metal mecânica correndo nas veias da família: sua irmã Jaqueline Freitas também trabalha com usinagem, no chão de fábrica. “Ela foi a minha inspiração”.
Gislaine afirma que já deixou de ser chamada para entrevistas de emprego por ser mulher. “Eu preenchia os requisitos e alguns homens, que não preenchiam, foram chamados”. Mesmo com esse tipo de obstáculo, a programadora não deixa de ser confiante. “Eu me considero uma ótima profissional, recebo muito feedback positivo e confio no meu trabalho”, argumenta. Por 10 anos, ela liderou uma equipe composta por homens: “Sempre me impus, nunca dei espaço para preconceito, sempre fui muito respeitada”.
Conversa Franca
Tatiane Marchette, trabalha como Analista de Compras na Usinagem JJ, de Jundiaí (SP), e conta já ter sofrido, no passado, rejeição em um processo seletivo. No entanto, após uma conversa franca e aberta com o gerente da empresa, conseguiu a vaga. Foi quando ela assumiu o seu primeiro cargo de liderança, motivo pelo qual quase foi agredida fisicamente por um funcionário que cobiçava o cargo, o qual acabou sendo desligado. Na atual empresa, segundo Tatiane, há outras mulheres exercendo funções relacionadas com a produção.
Durante 12 anos, Tatiane ocupou um cargo de liderança em uma empresa de usinagem, como Gestora de Qualidade. Nesta época decidiu cursar uma segunda graduação “Gestão de Produção Industrial”, já que anteriormente ela havia se formado em Pedagogia. “Por meio do mundo da usinagem meu currículo ficou conhecido e fui sendo indicada para diferentes funções”, detalha.
Empoderamento
Recentemente, Naiane Nunes, que já ocupava a diretoria de Operações da Tornos Group no Brasil, passou a dirigir também da filial dos Estados Unidos. Trata-se da primeira mulher a ocupar um cargo de liderança na multinacional de origem suíça. Para ela, em um meio ainda tão masculinizado, a imagem acaba sendo a própria campanha, pois o exemplo causa efeitos positivos. “Pessoas esperam direções de seus líderes e uma vez que você compartilha sua visão, fazendo disso um hábito, a mudança, por mais branda que possa parecer, vai surgir”, pondera. “É preciso deixar bem visível a necessidade de inclusão, trabalhar o desenvolvimento humano e o empoderamento dos colaboradores”.
Naiane conta que a Tornos pretende desenvolver e criar parcerias com escolas profissionalizantes, associações e organizações, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. O objetivo é criar uma plataforma que conecte e desenvolva pessoas profissionalmente.
“Quero apoiar a diversidade para que haja mais espaço e mais igualdade de oportunidades. Meu objetivo é desenvolver parcerias para a capacitação dos trabalhadores. Através da Tornos, desejo contribuir com a indústria de usinagem e metalúrgica para que realmente essas ações sejam implementadas na prática e, assim, a mudança no setor aconteça. O espaço não pode ser limitado, ele é de todos e para todos”, afirma.
Especialização e visibilidade
Todas as entrevistadas ressaltaram a importância da especialização e da busca pelo conhecimento em suas trajetórias. “Temos que estar um passo à frente em relação ao conhecimento. Por ser um meio predominantemente masculino, precisamos ter um alto nível, até mais alto do que o exigido para o cargo. Com propriedade, a gente acaba derrubando o preconceito”, aponta a engenheira de produção Lígia Rossi, que trabalha na empresa de usinagem Irmãos Narcizo, de Louveira (SP).
A engenheira argumenta que as vagas são feitas para pessoas, independente do sexo: “A gente tem de trabalhar a ideia de profissional, seja homem ou mulher. Empresas com mais mulheres vão ter um outro olhar e, mesmo que a longo prazo, vamos mudar essa história”.
Ellen Mariano, do Senai, sempre que pode, dialoga com ex-alunas: “A mecânica é uma área muito ampla, o primeiro passo é entender qual segmento seguir”.
Redes Sociais
Se os caminhos tradicionais, como o simples envio de currículos, não atendem às necessidades das mulheres, elas parecem ter encontrado outro caminho. Várias das entrevistadas consideram que as redes sociais direcionadas ao mercado de trabalho, como o LinkedIn, podem dar maior visibilidade às mulheres. “Precisamos educar outras mulheres. A gente só pode se inspirar naquilo que vemos. Temos que influenciar outras mulheres de forma positiva”, diz Pamela Matias.
Gislaine Freitas conta que o LinkedIn trouxe muitas oportunidades. “Eu sou uma boa profissional, mas ninguém me conhecia. Agora até uma empresa canadense já entrou em contato comigo”. Ela afirma ser muito importante participar de grupos sobre usinagem no LinkedIn, Facebook e Whatsapp.
Para Tatiane Marchette, é preciso uma mudança de mentalidade, já que muitas mulheres gostariam de ingressar na área metal mecânica, mas são desencorajadas diante das estatísticas de cargos ocupados e, também, pela questão salarial. “Sempre inferior ao salário de um homem com o mesmo cargo”, pontua.
Reportagem de Sheila Moreira, publicada em 13/12/2020
Fonte: Usinagem Brasil